terça-feira, 3 de novembro de 2015

Resenha: Carta e amor aos mortos

Livro: Cartas de Amor aos Mortos
Título original: Love Letters to the Dead
Autor (a): Ava Dellaira
Editora: Seguinte
Páginas: 344
Laurel é uma garota que acabou de entrar no ensino médio, mas que possui traumas que percorrem um longo caminho. Ela recentemente perdeu a irmã mais velha, a quem ela glorificava, e tal impacto apenas agravou os outros problemas da jovem: a solidão, a falta que sente da mãe, a culpa de ter sido quem viveu. Sua mãe, recém divorciada, se muda para a Califórnia para "dar um tempo", e deixa sozinha com o pai — que a ama, mas que não é bom em demonstrar sentimentos — e é assim que Laurel se vê completamente sozinha.
É a partir de uma proposta de sua professora de inglês que Laurel começa a escrever cartas para seus ídolos já falecidos. Como uma pessoa tímida que não possui nenhum amigo nessa escola nova, Laurel acaba se refugiando nessas várias cartas, que, como um diário, narram seu dia a dia e revelam seus pensamentos sobre os mais diversos assuntos. Desse modo, conhecemos o pesar, o luto e a saudade que permeiam os pensamentos da jovem, e como ela, aos poucos e a sua maneira, vai se abrindo para revelar seus sentimentos.
Pessoalmente, sempre tive dificuldades para lidar com a morte. Minha vaga experiência com ela é algo distante, sem lembranças claras, e, desde então, sou grata por nunca mais ter perdido alguém — e minhas lembranças sobre o fato não são nada prazerosas. Se eu precisasse resumir o que Cartas de Amor aos Mortos retrata em uma palavra, essa seria luto. Ao mesmo tempo, me sinto obrigada a afirmar que a obra vai um pouco além disso: a saudade, a dor, a solidão e o modo de cada um de superar esses sentimentos são temas recorrentes, e emocionantes.
Em primeiro lugar, preciso afirmar que, de cara, achei a metáfora para Laurel — uma menina tão introvertida — expressar seus sentimentos genial. Trata-se de alguém com traumas, que lida com a morte e a dor, e quem melhor para conversar sobre isso do que personalidades a quem ela idolatra? Melhor ainda: ídolos que tem sua quantia de dor e sofrimento, e que lidaram com os mais diversos traumas, assim como a menina, mas que — cada um a seu modo — conseguiram se libertar do sofrimento; mesmo quando tal saída não foi a mais fácil.
A grande jogada do livro é a seguinte: May está morta. May, a irmã mais velha, a inspiração, a melhor amiga de Laurel. May, a quem a caçula sempre admirou por ser talentosa, corajosa, extrovertida e invencível. Quem sempre pareceu acima de tudo e de todos, quem sempre pareceu poder abrir as asas e sair voando; que era tudo que Laurel nunca foi e sempre quis ser. A grande metáfora, creio eu, é que, assim como May, os ídolos de Laurel — que também sofreram em suas vidas — estão mortos, e é através deles que a menina acha um modo de se comunicar com a irmã perdida e com si mesma.
O livro é narrado em primeira pessoa por Laurel, no qual cada capítulo é como uma carta redigida para uma diferente personalidade famosa. Assim, além de ficarmos cientes dos pensamentos e sentimentos de Laurel, conhecemos um pouco sobre a vida — e não apenas como "famosos", mas como seres humanos — de ídolos como Kurt Cobain, River Phoenix, Amelia Earhart, Judy Garland e Amy Whinehouse. É como se o livro fosse um grande diário, já que dá detalhes da rotina e dos acontecimentos da vida da protagonista, ao mesmo tempo em que serve como um desabafo para ela.
Achei incrível a maneira como, a cada capítulo ao falar sobre uma das personalidades, a autora soube trazer seus problemas para a história de um modo genial. Os problemas pessoais e públicos de cada um dos citados foram tão facilmente englobados, e, mais do que isso, dados como algo tão tangível a realidade de alguém comum, alguém como Laurel, que é emocionante. Além disso, a maneira como cada pequena coisa se encaixa no final me deixou impressionada.
De fato, não tenho reclamações graves para fazer da obra. O único real defeito que posso citar, creio eu, é relacionado ao ritmo do livro. Tive certas dificuldades em prosseguir com a leitura durante boa parte da obra, que, para mim, sempre pareceu um pouco maçante, repetitiva demais. Não é que eu não estivesse gostando da história — na realidade, por mais eu adorasse a história em si e a maneira como ela narrada, não conseguia deixar de achar o livro extenuante. Depois de terminar a leitura, percebi que grande parte de toda essa repetição era proposital. Lembro-me de que, em certas passagens, de tanto, chegava a ser irritante o modo como Laurel glorificava May, e como falava sobre como ela boa em tudo, sabia tudo e enfrentava tudo; coisas que, na opinião de Laurel sobre si, ela nunca seria. Só é possível entender o livro como um todo no final, e gostei bastante do modo como a história foi construída depois de ter sido possível entender essas nuances e detalhes.
Algo interessante sobre Cartas de Amor aos Mortos são seus personagens. Laurel, que por si já é cheia de nuances e mostra ao poucos sua personalidade, e May, a irmã mais velha a quem ela glorifica, mas que conseguímos notar pelos flashbacks que não era tão perfeita assim, são respostas óbvias. Me chamou a atenção, assim, como não apenas os protagonistas, mas cada personagem, são extremamente bem construídos, cheios de defeitos, qualidades e problemas.
É uma coisa difícil de se encontrar, em minha opinião: um livro no qual os personagens secundário possam, sim, defeitos e qualidades. É raro vermos tais defeitos e problemas daqueles que não são protagonistas evidenciados — afinal, é fácil focar apenas no principal —, ao mesmo tempo que não se fale tanto assim dele. Isso, essa realidade presente nas personalidades, foi algo que me agradou e me impressionou sobre a escrita de Dellaira.
Por fim, Cartas de Amor aos Mortos é um livro dramático, mas que consegue ser extremamente profundo. Com uma narrativa e metáforas quase poéticas, é um livro que consegue demonstrar de maneira perfeita e sincera o amor, e a dor que vem atrelada a ele. Por mais que possua suas limitações, acredito ser um livro sincero sobre a descoberta de sentimentos, e que vale a leitura.

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